segunda-feira, 9 de novembro de 2009

"Arte e Criatividade em Tempos de Intolerância"



A borboleta era o símbolo de resistência no campo de concentração. O sol e as
flores estavam presentes nos desenhos



"A criança e sua arte em tempos de intolerância foi o tema da palestra de Silvia Lerner, do programa de Estudos Judaicos da UFRJ, para os alunos do Curso de Especialização em Educação Infantil: Perspectivas de Trabalho em Creches e Pré-Escolas. Silvia falou sobre as crianças de um campo de concentração nazista em Terezin, na Alemanha, a 60 quilômetros da capital da Tchecoslováquia, Praga, que encontraram na arte uma forma de aliviar a dura realidade. O campo abrigou judeus austríacos, alemães e tchecos e grande parte deles seguia depois para Auschwitz.


O campo era na verdade um grande pavilhão e passou por um processo de embelezamento e reforma para servir de referência para que membros da Cruz Vermelha Internacional inspecionassem e conhecessem os campos de concentração de judeus. Das quinze mil crianças que passaram por lá, apenas 73 sobreviveram. Elas eram levadas para pavilhões separados das famílias e divididas por sexo e idade.


O lugar era tido como um centro de rica vida cultural, uma forma que os prisioneiros encontraram de sobreviver e de resgatar a dignidade. A artista Friedl Dicker-Brandeis desenvolveu oficinas de desenho, colagem, e de tecidos para as crianças, que estimulavam noções de luz, cor e criatividade. Cada trabalho deveria ter o nome e a data em que a criança chegou a Terezin. Friedl conseguiu guardar os desenhos em duas grandes malas, que só foram expostas mais de uma década após o fim do Holocausto.


Entre os desenhos, muitos retratavam flores, crianças brincando, festividades judaicas e borboletas, que eram o símbolo de resistência nesse campo. Silvia destacou que, mesmo com fome e frio constantes, as crianças produziam desenhos muito coloridos, quase sempre com sol e uma casa, em referência ao lar que perderam.


Mas alguns desenhos retratavam as impressões das crianças no campo de concentração. Entre eles, Silvia destacou desenhos de ruas tristes e escuras dos pavilhões, crianças com pratos vazios esperando pela comida, pessoas procurando piolhos nas outras, e um que mostra uma princesa assustada com um monstro, o que ela entende como uma metáfora da situação que a criança estava vivendo.


Como no gueto também havia muitos intelectuais judeus, funcionava uma espécie de escola ilegal, que era desmontada assim que se percebia a aproximação de um oficial nazista, fato que também foi retratado em desenhos. Também eram apresentados teatros e números musicais. A opereta infantil Brundibar foi composta por um tcheco por ocasião de uma visita da Cruz Vermelha e conta a história de dois irmãos que precisam comprar leite para a mãe doente, mas Brundibar, uma figura maléfica, dificulta o trabalho das crianças. A Cruz Vermelha ficou impressionada com o espetáculo, que foi apresentado 55 vezes
até o fim do campo de concentração.

Uma sobrevivente de Terezin relatou que, quando cantavam, eles esqueciam da fome.

Feitos nos pavilhões dos meninos, jornais, revistas e outras publicações rodavam o campo de Terezin, muitas vezes com um só exemplar. Muitos dos jornais tiveram diversas edições e continham desenhos, jogos e poesias e notícias dos amigos. Os prisioneiros também fizeram baralhos, dominó e até uma versão do jogo Banco Imobiliário,
em que as avenidas eram ruas do pavilhão.


Silvia mostrou o desenho de duas borboletas: uma, com a estrela de Davi, começava a voar, e a outra, com o símbolo da suástica, finalizava seu voo, e terminou dizendo que a borboleta voou para fora dos guetos e ultrapassou os muros da intolerância".


Por: Renata Bulhões
Jornal da BUC : 09/11/2009 - Edição: 222




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